No terceiro episódio da série do professor Niall Ferguson, somos
levados em uma viagem de mais de três séculos através da história das bolsas de
valores. Mais precisamente, através da história das companhias de capital
aberto e suas ações, cotadas e comercializadas diariamente.
Em 2001, um escândalo tomou conta do noticiário acionário
norte-americano. A Enron, uma grande corporação multinacional no setor
energético e responsável, entre muitos outros empreendimentos, pelo gasoduto
Bolívia-Brasil, viu o valor de suas ações despencar de aproximadamente US$ 90
em meados de 2000 para menos de US$ 1 nos últimos meses de 2001. A companhia
faliu, o dinheiro de seus acionistas desapareceu. Mas um escândalo? Uma
falência é um escândalo? Não seriam as falências inerentes ao capitalismo, à
destruição criativa que o caracteriza? Sem dúvida, não há nada de escandaloso
em uma falência. É a fraude contábil corporativa o que causa choque e o que fez
as ações da companhia subirem às nuvens para, em pouquíssimo tempo, mergulharem
para o fim.
Uma bolha, afirma Ferguson, sempre tem uma causa, sempre é
produzida por algo. Não acontece à toa. No caso da Enron, as fraudes contábeis
levaram os investidores a sobrevalorizarem da companhia e, quando não foi mais
possível sustentar a mentira, a verdade revelou-se em escândalo varrendo a
riqueza de seus acionistas. Mas a Enron não foi a primeira nem a última
companhia a ver seus papéis sofrerem volatilidade extrema e, ao fim, desaparecimento.
O professor começa sua narrativa nos Países Baixos das Grandes
Navegações. O comércio ultramarino requeria capitais vultosos: a construção de
navios mercantes (escoltados, muitas vezes, por navios de guerra), a longa
viagem (girando em torno de um ano), imensos riscos (guerras, naufrágios) impossibilitavam
que apenas um ou poucos capitalistas pudessem, com seus próprios recursos,
empreenderem tamanha aventura. Os lucros, igualmente, fabulosos: Ferguson nos
ensina que com os lucros de apenas uma viagem pagava-se o custo da construção
de uma embarcação inteira. Como fazer? De um lado, recursos necessários inatingíveis;
por outro, promessa de grandes riquezas. Dessa necessidade surgiu a empresa de
capital aberto: uma empresa cuja posse era compartilhada por várias pessoas anônimas e pudesse ser comercializada livremente.
Nascia, assim, o mercado acionário. A propriedade da companhia era pulverizada
em uma grande quantidade de ações cujo valor unitário era determinado no
mercado acionário pelas condições de oferta e demanda.
Mas não foram nos Países Baixos que as bolhas de mercados
acionários surgiram. Diante da experiência batava, um escocês chamado John Law,
foragido no Reino Unido, vai à França e propõe uma maneira ao governo francês
aliviar o ônus de sua dívida pública. Na prática, John Law transformou os
credores do governo francês em acionistas de uma empresa monopolista criada por
ele em nome da monarquia francesa. Aproveitando as colônias ultramarinas
daquele país, a Companhia do Mississippi era dona exclusiva do direito de executar o
comércio entre o reino de Luís XV e sua colônia na América do Norte. Nova
Orleans foi fundada para ser o porto na foz daquele rio (e para bajular um
membro proeminente da corte francesa). Todos ficaram satisfeitos: o governo
francês reestruturou suas finanças; os antigos credores tornaram-se donos de
uma empresa monopolista cujas ações se valorizavam a cada dia. O sucesso de
John Law o levou a assumir cargos na administração financeira da monarquia
francesa. Era, a um só tempo, Diretor Geral da Companhia do Mississippi e
ministro das Finanças de Luís XV: uma combinação perfeita para a formação de
uma bolha.
A companhia estava fadada ao fracasso. O comércio com a bacia do
rio Mississippi se provaria pouco frutífero. Mesmo assim, até a verdade ser
incontestável e escancarada a todos, a valorização das ações da companhia seguiu seu curso. Como John
Law era também ministro das Finanças, turbinava a venda das ações – puxando
para cima seus preços – com políticas financeiras frouxas e generosas. Por
algum tempo, a distribuição de dividendos se deu não com a realização de
grandes lucros, mas com a venda sempre bem sucedida de novos papéis. Era uma
forma de pirâmide (ou Ponzi Scheme,
na língua inglesa): os rendimentos provinham da venda de mais ações que, por
sua vez, eram estimuladas pelas políticas econômicas adotadas pelo ministro das
finanças e, ao mesmo tempo, diretor geral da companhia.
Como em qualquer bolha, em algum momento, os fundamentos reais
da companhia viriam a determinar seu preço, levando-o a um patamar condizente com
seu desempenho econômico real. Esse estouro da bolha é quase sempre dramático
e, no caso de John Law, levou-o a fugir do país. A dinâmica das bolhas
revelou-se como a descreveu Niall Ferguson: a) um evento econômico gera oportunidade de lucro; b) um entusiasmo pelos papéis correspondentes
toma corpo, levando seus preços para cima; c) sobrevém a mania especulativa: os investidores passam a demandar ações não porque
a consideram subvalorizadas, mas na mera expectativa de que seu preço subirá no
curto prazo; d) surgem os primeiros sinais de ansiedade: os proprietários de ações com conexões internas e
informações privilegiadas, sabendo que os preços correntes são insustentáveis,
passam a vender seus papéis aos incautos com os preços ainda altos; e) a bolha estoura: os proprietários de ações veem
sua riqueza desaparecer.
Apesar de sua história do mercado acionário estar centrada na
dinâmica das bolhas, Ferguson a conta de maneira positiva. O estudioso defende
a ideia de que o mercado acionário é uma das inovações financeiras que tornaram
possível os mais ousados empreendimentos econômicos. Em uma sentença, o mercado
acionário, defende Ferguson, é um dos pilares do capitalismo e, especialmente,
da abundância econômica na qual vivemos. Ele é, junto com a moeda, o crédito e
o mercado de títulos, um dos fundamentos do bem estar econômico atingido nas
economias mais desenvolvidas. O fenômeno das bolhas não é uma característica
inerente ao mercado acionário. É o resultado de má conduta de seus operadores,
como a história da Companhia do Mississippi e da Enron exemplificam através de
excesso de liquidez e fraude contábil, respectivamente.
Até mais!
Thiago Ferreira
Obs.: Há poucos dias atrás, um debate verdadeiramente rico em
ideias foi transmitido pelo canal Globo News. A apresentadora Miriam Leitão
conduziu um intercâmbio de ideias entre dois dos principais economistas
brasileiros da atualidade: Guido Mantega, ministro da Fazenda da presidente
Dilma Rousseff, e Armínio Fraga, provável ministro da Fazenda do candidato
Aécio Neves. Dado o significado de tal debate, pretendo redigir uma resenha
essa conversa nos próximos dias.
Muito bom o seu texto, me salvou no trabalho de economia na faculdade!! Muito obrigada!!
ResponderExcluirMuito bom o seu texto, me salvou no trabalho de economia na faculdade!! Muito obrigada!!
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