quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A Ascensão do Dinheiro: episódio 3 (O estouro de bolhas)

No terceiro episódio da série do professor Niall Ferguson, somos levados em uma viagem de mais de três séculos através da história das bolsas de valores. Mais precisamente, através da história das companhias de capital aberto e suas ações, cotadas e comercializadas diariamente.

Em 2001, um escândalo tomou conta do noticiário acionário norte-americano. A Enron, uma grande corporação multinacional no setor energético e responsável, entre muitos outros empreendimentos, pelo gasoduto Bolívia-Brasil, viu o valor de suas ações despencar de aproximadamente US$ 90 em meados de 2000 para menos de US$ 1 nos últimos meses de 2001. A companhia faliu, o dinheiro de seus acionistas desapareceu. Mas um escândalo? Uma falência é um escândalo? Não seriam as falências inerentes ao capitalismo, à destruição criativa que o caracteriza? Sem dúvida, não há nada de escandaloso em uma falência. É a fraude contábil corporativa o que causa choque e o que fez as ações da companhia subirem às nuvens para, em pouquíssimo tempo, mergulharem para o fim.

Uma bolha, afirma Ferguson, sempre tem uma causa, sempre é produzida por algo. Não acontece à toa. No caso da Enron, as fraudes contábeis levaram os investidores a sobrevalorizarem da companhia e, quando não foi mais possível sustentar a mentira, a verdade revelou-se em escândalo varrendo a riqueza de seus acionistas. Mas a Enron não foi a primeira nem a última companhia a ver seus papéis sofrerem volatilidade extrema e, ao fim, desaparecimento.

O professor começa sua narrativa nos Países Baixos das Grandes Navegações. O comércio ultramarino requeria capitais vultosos: a construção de navios mercantes (escoltados, muitas vezes, por navios de guerra), a longa viagem (girando em torno de um ano), imensos riscos (guerras, naufrágios) impossibilitavam que apenas um ou poucos capitalistas pudessem, com seus próprios recursos, empreenderem tamanha aventura. Os lucros, igualmente, fabulosos: Ferguson nos ensina que com os lucros de apenas uma viagem pagava-se o custo da construção de uma embarcação inteira. Como fazer? De um lado, recursos necessários inatingíveis; por outro, promessa de grandes riquezas. Dessa necessidade surgiu a empresa de capital aberto: uma empresa cuja posse era compartilhada por várias pessoas anônimas e pudesse ser comercializada livremente. Nascia, assim, o mercado acionário. A propriedade da companhia era pulverizada em uma grande quantidade de ações cujo valor unitário era determinado no mercado acionário pelas condições de oferta e demanda.
Mas não foram nos Países Baixos que as bolhas de mercados acionários surgiram. Diante da experiência batava, um escocês chamado John Law, foragido no Reino Unido, vai à França e propõe uma maneira ao governo francês aliviar o ônus de sua dívida pública. Na prática, John Law transformou os credores do governo francês em acionistas de uma empresa monopolista criada por ele em nome da monarquia francesa. Aproveitando as colônias ultramarinas daquele país, a Companhia do Mississippi era dona exclusiva do direito de executar o comércio entre o reino de Luís XV e sua colônia na América do Norte. Nova Orleans foi fundada para ser o porto na foz daquele rio (e para bajular um membro proeminente da corte francesa). Todos ficaram satisfeitos: o governo francês reestruturou suas finanças; os antigos credores tornaram-se donos de uma empresa monopolista cujas ações se valorizavam a cada dia. O sucesso de John Law o levou a assumir cargos na administração financeira da monarquia francesa. Era, a um só tempo, Diretor Geral da Companhia do Mississippi e ministro das Finanças de Luís XV: uma combinação perfeita para a formação de uma bolha.
A companhia estava fadada ao fracasso. O comércio com a bacia do rio Mississippi se provaria pouco frutífero. Mesmo assim, até a verdade ser incontestável e escancarada a todos, a valorização das ações da companhia seguiu seu curso. Como John Law era também ministro das Finanças, turbinava a venda das ações – puxando para cima seus preços – com políticas financeiras frouxas e generosas. Por algum tempo, a distribuição de dividendos se deu não com a realização de grandes lucros, mas com a venda sempre bem sucedida de novos papéis. Era uma forma de pirâmide (ou Ponzi Scheme, na língua inglesa): os rendimentos provinham da venda de mais ações que, por sua vez, eram estimuladas pelas políticas econômicas adotadas pelo ministro das finanças e, ao mesmo tempo, diretor geral da companhia.
Como em qualquer bolha, em algum momento, os fundamentos reais da companhia viriam a determinar seu preço, levando-o a um patamar condizente com seu desempenho econômico real. Esse estouro da bolha é quase sempre dramático e, no caso de John Law, levou-o a fugir do país. A dinâmica das bolhas revelou-se como a descreveu Niall Ferguson: a) um evento econômico gera oportunidade de lucro; b) um entusiasmo pelos papéis correspondentes toma corpo, levando seus preços para cima; c) sobrevém a mania especulativa: os investidores passam a demandar ações não porque a consideram subvalorizadas, mas na mera expectativa de que seu preço subirá no curto prazo; d) surgem os primeiros sinais de ansiedade: os proprietários de ações com conexões internas e informações privilegiadas, sabendo que os preços correntes são insustentáveis, passam a vender seus papéis aos incautos com os preços ainda altos; e) a bolha estoura: os proprietários de ações veem sua riqueza desaparecer. 
Apesar de sua história do mercado acionário estar centrada na dinâmica das bolhas, Ferguson a conta de maneira positiva. O estudioso defende a ideia de que o mercado acionário é uma das inovações financeiras que tornaram possível os mais ousados empreendimentos econômicos. Em uma sentença, o mercado acionário, defende Ferguson, é um dos pilares do capitalismo e, especialmente, da abundância econômica na qual vivemos. Ele é, junto com a moeda, o crédito e o mercado de títulos, um dos fundamentos do bem estar econômico atingido nas economias mais desenvolvidas. O fenômeno das bolhas não é uma característica inerente ao mercado acionário. É o resultado de má conduta de seus operadores, como a história da Companhia do Mississippi e da Enron exemplificam através de excesso de liquidez e fraude contábil, respectivamente.

Até mais!
Thiago Ferreira

Obs.: Há poucos dias atrás, um debate verdadeiramente rico em ideias foi transmitido pelo canal Globo News. A apresentadora Miriam Leitão conduziu um intercâmbio de ideias entre dois dos principais economistas brasileiros da atualidade: Guido Mantega, ministro da Fazenda da presidente Dilma Rousseff, e Armínio Fraga, provável ministro da Fazenda do candidato Aécio Neves. Dado o significado de tal debate, pretendo redigir uma resenha essa conversa nos próximos dias.


2 comentários:

  1. Muito bom o seu texto, me salvou no trabalho de economia na faculdade!! Muito obrigada!!

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  2. Muito bom o seu texto, me salvou no trabalho de economia na faculdade!! Muito obrigada!!

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