quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Adam Smith e os fundamentos da ciência econômica moderna


Porque diz-se que o escocês Adam Smith (1723-1790) é o pai da Economia? Não
seria essa afirmação uma injustiça com todos os pensadores dos fatos econômicos anteriores
a ele? Que fique claro: a reflexão sobre economia, sobre a reprodução material da vida, é
tão antiga quanto a própria filosofia. O que tem o escocês de tão especial? Afinal de
contas, porque ele é o primeiro tema de uma série de postagens deste blog cujo objetivo é
apresentar os economistas clássicos ao público leigo?

O título de pai da ciência econômica, normalmente atribuído a Adam Smith, é sem dúvida
mais que merecido. Não que sua obra seminal - "A Riqueza das Nações" (1776) - tenha sido
um sucesso imediato, a inaugurar um filão literário que mais tarde seria conhecido como
a ciência econômica. Não foi. Adam Smith recebeu tal reconhecimento post mortem, devido
à influência efetiva que inspirou economistas clássicos do século XIX. Muito poderia ser
desenvolvido num texto sobre Adam Smith (como se percebe pela enorme quantidade de
publicações sobre o pensador); nesta postagem, vou me ater a responder a pergunta
formulada na primeira frase do texto.

Em poucas palavras, Adam Smith formulou os conceitos-chave até hoje fundamentais à ciência
econômica. Mesmo pensadores essencialmente críticos a Adam Smith, como Karl Marx,
não deixam de fazer algumas referências as suas formulações. Pedras angulares
essenciais aos estudos econômicos posteriores, como a noção de mercado e de riqueza, foram
as responsáveis por seu título de honra.

Para responder à pergunta implícita no título de sua obra seminal - a Riqueza das Nações, de 1776 - Adam Smith
contrapõe-se às concepções de riqueza dominantes em sua época e lança o que, de forma
virtualmente indisputável, constitui a responta àquela pergunta, a saber: a riqueza de uma
nação consiste na capacidade produtiva de sua economia, na sua capacidade de produzir
mercadorias. Tal formulação, que hoje soa natural, foi uma grande inovação para os
economistas pré-modernos do século XVIII. Mercantilistas e fisiocratas, ambos pensavam
de forma diversa. Para os primeiros, a riqueza de uma nação consistia no seu estoque de
metais preciosos; já para os segundos, a riqueza de uma nação residia na força da sua
agricultura, o único setor responsável pela pujança econômica. Ambos, mercantilistas e
fisiocratas, faziam sentido para os homens e mulheres do século XVIII, pré-capitalista.
Porém, sentindo a direção dos ventos soprando ao futuro, o escocês estabeleceu que
a riqueza é, em termos contemporâneos, equivalente ao estoque de fatores de produção ou,
mais acuradamente, à capacidade de produção de mercadorias de determinado estoque de
fatores de produção (terras agrícolas, máquinas, equipamentos, ferramentas de trabalho,
edifícios, trabalhadores, tecnologia, poupança). Não basta, como imaginavam os
mercantilistas, deter grande estoque de metais preciosos; não basta, igualmente, uma
produção agrícola vigorosa, como afirmaram os fisiocratas. No amanhacer da Revolução
Industrial, Adam Smith intuíu, face às primeiras máquinas a vapor de seu tempo, que ali
estava a chave para a riqueza e propsperidade.

Dada esta resposta, como alcançar o nível máximo de produção de mercadorias, de bem-estar
econômico? Que malabarismo deveria ser feito pelos governos para garanti-lo? Aqui o pai
da ciência econômica inova e surpreende. Sua resposta para a questão imediamente anterior
é: nada. Isso mesmo. Os governos não devem fazer coisa alguma para garantir um nível de
atividade econômica ótimo. A bem da verdade, eles têm sim um papel mínimo, muito menor do que o
vigente no seu tempo. O principal pilar é, sem dúvida, garantir o direito à propriedade
privada. No século XVIII, tal garantia tinha um significado bem diferente do que pode parecer
ao leitor moderno, acostumado à insegurança e exposto aos riscos patrimoniais que a
criminalidade nos impõe nos dias de hoje. Garantir a propriedade privada, no século XVIII,
dizia respeito muito mais à garantia de que o fruto do trabalho de uma cidadão
(sua propriedade privada) não seria alvo de confiscos ou expropriações arbitrárias por
parte ds governantes. Dada esta garantia, bem como a garantia da manutenção geral da lei
e da ordem, cabia aos governos tão-somente deixar seus cidadãos livres para tomarem suas
decisões econômicas de acordo com seus próprios interesses individuais. Em resumo, as
decisões fundamentais de uma economia - o que produzir, quanto produzir, como produzir,
para quem produzir - seriam tomadas não por uma autoridade qualquer, mas seriam o resultado
das decisões individuais de cada agente econômico, em consonância com seus próprios
interesses.

À primeira vista, para um mercantilista daquela época, tal ideia soaria um disparate. Como
poderia uma economia atingir seu máximo potencial confiando na decisão individual de cada
agente econômico, tomada em função de interesses individuais e descoordenadamente? Aqui
Adam Smith introduzir um novo conceito, espinha dorsal da ciência econômica moderna:
a noção de mercado. É o mecanismo de mercado e de preços - livre de qualquer interferência
governamental - o agente coordenador. Como Smith o descreve? Simples. Para garantir sua
satisfação econômica, qualquer agente deve produzir e levar o produto do seu trabalho ao
mercado - o encontro entre compradores e vendedores - onde ele será comercializado e
também onde nosso produtor irá adquirir as mercadorias necessárias a sua satisfação e
reprodução material. Ora, a despeito das decisões tomadas por nosso produtor, ele só
será bem sucedido em sua empreitada caso o produto de seu trabalho seja aceito no mercado,
isto é, possa satisfazer as necessidades materiais de outros produtores. A mesma lógica
condiciona as decisões individuais de cada agente econômico. O preço - tão popularmente
vilipendiado - é meramente um sintoma, sinal dado pelo mercado indicando as mercadorias
mais valorizadas pelos seus demandantes e que, consequentemente, recompensará mais
generosamente seus ofertantes.

É claro que Adam Smith pressupõe uma série de condições sobre as quais o mercado
funcionaria. E é claro também que, na economia contemporânea, embora alguns setores
apresentem aquelas condições, muitos não o fazem, introduzindo distorções no mecanismo
de mercado descrito pelo escocês... Mas isso é assunto para uma postagem futura!

Até a próxima!
Thiago Ferreira

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