quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Ascensão do Dinheiro: Sonhos de Avareza (episódio 1)

Logo no início do filme, Niall Ferguson me seduziu com seu objetivo que me pareceu, a um só tempo, pretensioso e inocente: pretender explicar a História através da história financeira moderna. Resolvi dar uma chance.

O primeiro passo foi narrar e explicar a emergência de uma instituição hoje onipresente: os bancos. Na realidade, seria mais apropriado descrever a abordagem de Ferguson como uma análise não do surgimento dos bancos, mas sim da moeda, do crédito e dos juros. Os bancos são meramente o formato institucional emergido na Itália renascentista com o objetivo de reduzir os riscos inerentes à concessão de crédito - a insolvência.

Vamos começar do início: a moeda, o dinheiro. De dentro das montanhas de Potosí, na Bolívia, o historiador explicou a natureza do dinheiro narrando a história da colonização espanhola na região, riquíssima em minas de prata. Para a surpresa dos colonizadores, a exploração da montanha de prata não foi capaz de evitar o declínio econômico e político dos espanhóis. Isto porque, de acordo com o professor de Harvard, o imenso fluxo de prata não correspondeu a um comparável incremento na produção concreta de bens e serviços no reino. Resultado: inflação. A moeda de prata teve seu valor reduzido com os passar das décadas.

Com efeito, Ferguson usou a história do declínio do império espanhol para explicar algo sobre a natureza do dinheiro que talvez passe despercebido para muitos: ele não possui nenhum valor em si mesmo. Ouro, prata, papel-moeda... Nada que pudesse ser usado como moeda tem valor em si mesmo. O dinheiro, de fato, é uma promessa de pagamento. Ou seja, se você possui uma nota de vinte reais, isso significa que você tem uma promessa de que pode trocar - agora ou num futuro indefinido - seu dinheiro por bens e serviços no valor de vinte reais. A moeda, em si, não possui valor: seu valor está relacionado a seu poder de compra. Daí o caráter pernicioso da inflação. Dessa forma, o fluxo de prata não salvou o reino ibérico de sua decadência.

O dinheiro é, portanto, uma promessa, tal qual o crédito. Conceder crédito é entregar dinheiro sob a promessa do seu retorno num futuro fixado, somado a uma recompensa - o juro. Ao iniciar sua narrativa da concessão de crédito na Europa medieval, o docente relembra a antiga figura do agiota e a violência empregada por ele no intuito de recuperar seu dinheiro. E explica: a escala de operações dos odiados judeus, isolados em guetos de cidades medievais, era tão pequena que as perdas decorrentes de um só insolvente, entre seus poucos clientes, poderiam arruinar-lhe o negócio. Ferguson nos leva, a partir daí, a contemplar os riscos inerentes à oferta de crédito - equivalentes aos riscos assumidos aos portadores de moeda em caso de inflação. A solução? Instituições bancárias que possuíssem exatamente aquilo que os primeiros agiotas medievais não possuíam: escala e diversificação.

Assim nasceu, ainda na Itália renascentista, o banco da família Médici. Uma escala de operações suficientemente grande, unida à inteligente diversificação de clientes e operações, reduziu os riscos de tal forma que não foi mais necessário valer-se da violência em operações de crédito. Com o banco dos Médici, o odiado Shylock de William Shakespeare não tem de exigir meio quilo da própria carne de seus credores.

Desde os guetos judeus das antigas cidades europeias medievais, passando pelo banco dos Médici, até os bancos norte-americanos atuais - e suas operações de crédito em massa -, Ferguson narra deliciosamente histórias de bancos, anedotas divertidas que, nos seus interstícios, nos revelam os fundamentos das finanças modernas. No primeiro episódio, o dinheiro, o crédito e os juros.

Bom filme!
Thiago Ferreira


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